segunda-feira, 21 de maio de 2007

Quanto Ouso - Capítulo Dezassete 5

Da cozinha para A Cozinha

Nesta parte não há cortina. A cozinha está sempre presente. Semi-obscuridade. […] O ajudante do turno da noite, MAGI, entra. Espreguiça-se, olha para o relógio e deixa-se ficar de pé, imóvel, tomando consciência do sítio onde está. São sete da manhã. Depois, com uma mecha, acende os fornos. Salta uma chama para o primeiro. Há fumo, chamas e depressa o forno adquire uma chama firme […], MAX entra […] BERTHA entra […] entram BETTY e WINNIE, empregadas de mesa, a falar entre dentes, que saem para a sala de jantar. Entram PAUL e RAYMOND.

Nenhuma destas recordações veio a fazer parte das peças ou contos publicados, mas sim daquela trilogia de contos O Vale Terrível que, se bem que nunca publicados, foram importantes para mim. Lá irei dentro em pouco. Só um incidente veio a fazer parte de A Cozinha. Aconteceu durante a primeira semana de férias da Edie, depois de eu ter sido promovido a cozinheiro de pequenos-almoços. Levantava-me às 6h30 […] Era saudado por um hotel vazio e eu gostava daquilo. Sem ninguém à excepção de Jack, o ajudante do turno da noite e Bob, o velho criado que era sempre o primeiro a chegar de manhã para ir pôr as mesas… era também o último a sair. Desde os meus tempos na construção civil que eu gostava dos começos matinais, o lento acordar da vida, o um por um, o pedaço a pedaço. Ligar o aquecedor de pratos, carregar o elevador da comida, puxar a corda, subir para descarregar, arrumar a comida para se manter quente, sentir a sala silenciosa a animar-se, estrelar ovos para preparar a hora de mais trabalho. Ia ficando mais quente à medida que a actividade aumentava. Os primeiros pedidos chegavam devagar – conseguíamos lavar os pratos e as chávenas a um ritmo normal – depois com mais velocidade, mais intensidade, os pedidos em voz baixa transformavam-se em gritos. O pequeno-almoço estava a sair! Ritmo! Balanço! Suor! Temperamento! Tal qual o lento começar do trabalho no filme musical Um Dia em Nova Iorque – o primeiro grande musical que vi - com a sua sequência de abertura em que os estivadores vão chegando ao trabalho um a um, que termina com o regresso à vida do navio de guerra de onde saem a correr os marinheiros para gozar o seu dia de folga em Nova Iorque. Um dia em Nova Iorque, pensava eu, tinha sido a inspiração para a sequência de abertura d’A Cozinha. Não foi bem assim. Essas aberturas lentas começaram no Hotel Bell muito antes de eu ter visto o musical de Bernstein.
Aparte: desde o início que tive este fascínio por começos! “Era uma vez, quando o mundo era novo…” Fiz um filme de 8mm de Hill House, chamado Manhã, com uma câmara que pedi emprestada a um elemento de um clube de cinema amador. Era um filme sobre começos. Obriguei toda a gente a levantar-se antes de madrugada, trepei a uma árvore para filmar o nascer do sol sobre o horizonte, levei a Della e o Ralph à loucura por lhes pedir que acordassem e se espreguiçassem, voltassem a deitar-se, levantarem-se e espreguiçarem-se, voltarem a deitar-se até conseguir o que queria. […] Começos, desenvolvimentos, as razões por que, o processo de crescimento, desenvolvimento… todas estas coisas atraíram a minha atenção.
Entre as primeiras pessoas a quem servia pequenos-almoços estavam as empregadas dos quartos. [E agora vão ler o post de 17 de Abril – Comprimidos e abortos.] Claro que sabia! Barulhento, vociferante, exaltado, gesticulando exuberantemente, e dogmático sem aceitar contradição. Dei o discurso a Max, o talhante em A Cozinha. Intolerante!
O hotel parecia ter sido escolhido por Deus como Seu campo de jogos, pois as coisas aconteciam ininterruptamente, o mundo tinha o seu espelho: revoltas emocionais, estados psicológicos, confrontações que iam do ridículo ao patológico. Tive dificuldades em manter-me agarrado a um sentido de normalidade e, de facto, não consegui. Os meus sentimentos iam do desnorte à luxúria, da zanga ao fascínio, do divertimento à culpa. As tensões opostas que animavam o grupo de personalidades – e ainda não as descrevi todas – faziam-me pensar se era eu o ridículo, o louco.

“Pois sentia-me estranho àquilo tudo, se bem que desejasse ser um deles.”

Tinha-me esquecido destas palavras, escritas em 1954, quando redigi O Prólogo, em 1993.

“Neste estado toda a gente que conheço se transforma num estranho. É uma sensação deprimente uma vez que quero estar aqui, quero fazer parte.”

O Albert estava apaixonado

A situação mais absurda em que me vi envolvido foi com Albert, cujo fraquinho por mim estava acrescer a pontos de deixar de ter piada, mas só por volta da hora do almoço do dia sangrento é que percebi em que ponto a coisa já ia. Tínhamos feito subir o almoço para Tom no elevador. O Gordon e eu – era o dia de folga do Jimmy gorducho – estávamos a arrumar os destroços da cozinha depois de se ter feito o almoço Estava a preparar-me para atacar a despensa de balde e esfregona. Albert veio do seu território – a destilaria – e dirigiu-se para o moinho do café. Gordon, que andava na rua, apareceu de repente.
-Oh! – gritou. – Desculpa, fofo. Não sabia que estavam aqui os dois. Querem que os deixe e feche a porta?
- Quem me dera! – Respondeu Albert, deitando-me um olhar carregado de insinuações. – Nada me agradaria mais!
- Trata da despensa! – Ordenei ao Gordon, atirando-lhe a vassoura. – Eu trato da cozinha. O homem mete-me medo.
Eles riram-se e trocaram comentários e eu saí o mais depressa que consegui.
Mais tarde, Gordon na conversa com Albert enquanto subiam as escadas:
- Continua a tentar, fofo, vais acabar por conseguir.
- O tanas! – Gritei. O Albert desapareceu e eu agarrei o Gordon pelos colarinhos. – Pára de o incentivares!
- Só estava a tentar ajudar. Pobre rapariga. Tu provoca-lo e depois dás-lhe uma tampa.
- Eu? – Gritei. – O homem não precisa que o provoquem, tem estado a viver do amor à primeira vista desde o dia em que aqui entrou. – Diz-me, achas que tenho ar de maricas? – Rimo-nos e encerrámos o assunto.
O facto de existirem homossexuais entre o pessoal com que eu trabalhava e que este tipo de assédio ocorresse tornava a vida da cozinha interessante, intensa, variada e… estranha. Gostava deles, o Gordon e eu tornámo-nos amigos, mas havia uma certa amargura na sua tolerância. Era tolerância sob sofrimento. Como se não existisse alternativa. Tinham de aceitar as pequenas brincadeiras de uma forma que eu nunca teria aceitado aquelas insinuações acerca de judeus. Eu também não estava inocente de momentos de afectação.
- Não sentes que há uma certa loucura nisto tudo? – perguntei ao Gordon.
- Tudo o quê?
- Ninguém parece normal. Temos prostitutas, raparigas a fazerem abortos, casamentos infelizes, maricas, alcoólicos… há de tudo. Quando pensas nisso, não sentes que é um tanto irreal? – Eu ainda não tinha aprendido a apreciar os prazeres da variedade dos homens. O artista romântico dentro de mim estava esboçado, o artista confrontador do caos desejava estabelecer a ordem.
Durante muito tempo aceitei a função tradicional da arte como forma de criar ordem a partir do caos. Claro que não uma ordem perfeita a partir de um caos absoluto; para além do mais, o caos não tem fim e a ordem é relativa. Mas arte enquanto criação de um pequenino espaço de ordem no meio de um mundo de caos, nisso acreditei. Hoje em dia já não tenho a certeza. Talvez seja suficiente descrever o caos e a descrição é uma contribuição para que seja ordenado, uma vez que identificar um problema é metade da sua solução.
Não interessa, começaram a acontecer coisas estranhas. E eu comecei a escrever às escondidas.

1 comentário:

hakonhabegger disse...

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