terça-feira, 17 de abril de 2007

Comprimidos e abortos...

Página 80 - [Enquanto PETER e MONIQUE continuam a falar afectuosamente, ouve-se um grito inesperado, vindo do fundo da cozinha. WINNIE está dobrada em dois, cheia de dores, e desmaiou. Várias pessoas correm para ela – acontece tudo muito depressa, mal se nota. Os rapazes que estão à mesa limitam-se a olhar em volta a observar e não se mexem. PETER e MONIQUE nem sequer ouvem. Só se ouvem algumas vozes indistintas.]

Entre as primeiras pessoas a quem servia pequenos-almoços estavam as empregadas dos quartos. No terceiro dia, uma quarta-feira, a Winnie e a Dolly estavam à espera dos seus pequenos-almoços. - Não me dês bacon, só um ovo, - pediu a Winnie. - Só estrelado. - Era uma mulher grande, grosseira, amigável, tagarela, mal vestida com o cabelo de um cinzento sujo, sempre despenteado, sem os dentes da frente. Com quarenta e cinco anos, era uma mulher gasta, maltratada, nada atraente mas transpirando uma vaga e desagradável sensualidade. Eu tinha acabado de servir três pequenos-almoços de bacon e ovos ao Bob antes de preparar o pequeno-almoço para elas. Quando me virei para lhes entregar a comida, tinham desaparecido. Ali em cima do balcão estavam as bandejas delas com as torradas e o bule do chá, à espera do bacon e dos ovos. Pensando que podiam ter-se esquecido de qualquer coisa, guardei a comida para a manter quente e continuei a servir ao pessoal do pequeno-almoço os pedidos que traziam da sala.
Passaram vinte minutos e a Winnie e a Dolly ainda não tinham aparecido. Por causa do trabalho, não parei para pensar no que lhes teria acontecido, não me pareceu importante. Os empregados voavam para dentro e fora da sala, gritando-me os seus pedidos. Fiquei sem bacon e corri escada abaixo, para ir buscar mais. Nas escadas encontrei o sr. Taylor, que passou por mim. Continuou, passando pelo aquecedor de pratos e saindo pela outra porta, por onde Dolly e Winnie tinham saído. Assim que entrou, ouvi-o parar.
- Olá! Quem é que se tentou matar? O que é este sangue todo? – Não prestei atenção e continuei a descer as escadas, para ir buscar o bacon.
A azáfama da manhã tinha acabado, eu estava a limpar as ruínas gordurosas da primeira refeição do dia, a Winnie e a Dolly não tinham regressado. Quando perguntei à Irene onde elas estavam, respondeu-me que a Dolly tinha levado a Winnie a casa. Perguntei porquê.
- Depois digo-te, - respondeu, de uma maneira que me fez ficar convencido de que a Winnie estava a ter um mau período menstrual. O trabalho continuou.
Foi Dolly quem trouxe as notícias: a Winnie tinha sido levada de urgência para o hospital para ser operada. Tinha tentado fazer um aborto e tinha sido terrivelmente bem-sucedida. O bebé nasceu no meio de uma confusão de sangue, parte do qual estava agora junto da porta, próximo do meu balcão de pequenos-almoços. Mais tarde, nesse dia, Irene chamou-me à parte.
- Estou assustada, - disse. – Por causa dos comprimidos. – A Jacky andava a dar-lhos. E a Ann, que estava grávida de dois meses e meio.
- Ei, Jacky, Annie e Winnie. De quanto tempo é que ela estava?
- Quatro meses.
- Deve estar louca! Não sabe as coisas da vida?
- Devia saber. Tem sete filhos e está casada há cerca de vinte anos.
- De quem era? – perguntei.
- De um soldado amigo dela. Mas e os comprimidos? A Jacky pediu-me para os guardar. E se mos encontram? – Ofereci-me para os esconder mas ela decidiu devolvê-los à Jacky.
As notícias espalharam-se depressa e o Chefe Tom foi lesto em esclarecer o pessoal da cozinha porque, claro, ele era uma autoridade em tudo. As suas palavras são as que usei em A Cozinha após ter acontecido um episódio semelhante.
“Sabia que isto ia acontecer. Não se pode voltar atrás. O que será que leva as pessoas a pensar que se tomarem um comprimido pela boca isso vai afectar o útero? Impossível! Só há uma maneira, da maneira como entrou. O que acontece? Nada! Nada consegue! Tudo o que acontece é que o estômago fica irritado, comprimido, vêm? E isso faz força no útero, pressiona-o. Oh, eu já sabia isto, pois sabia. Só há uma droga que é eficaz pela boca. E sabem o que é? Dente-de-cão. Já ouviram falar? É a única coisa a fazer. E é rara. Oh, sim, estudei isto no exército quando não tinha mais nada para fazer. Muito interessante, esta psicologia. Complicada. Soube que a Winnie estava prenha assim que entrou…

Claro que sabia! Barulhento, vociferante, exaltado, gesticulando exuberantemente, e dogmático sem aceitar contradição. Dei o discurso a Max, o talhante em A Cozinha. Intolerante!

Arnold Wesker conta este episódio a propósito do seu emprego no hotel Bell em Norwich, durante catorze meses, entre 1953 e 1954.

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