terça-feira, 3 de abril de 2007

O Teatro do Pós-Guerra e o Estado

1. Uma Civilização do Povo

O teatro do pós-guerra na Grã-Bretanha era uma criatura do Estado. O Conselho das Artes da Grã-Bretanha foi criado em 1945 e entregaram-lhe £235.000 para, no seu primeiro ano, subsidiar as “belas-artes” – artes visuais, música, ópera, ballet e teatro. Em 1984, quando o Conselho publicou o importante documento, A Glória do Jardim, o seu orçamento elevava-se já a £100.000.000, dos quais cerca de um quarto era gasto com o teatro. Nesta altura, oitenta e duas companhias tinham o estatuto de “subsidiadas pelo Conselho das Artes”, ou seja, dependiam de subsídios regulares do Estado para cobrir a diferença entre as suas despesas e as suas receitas correntes. Quase todos os teatros importantes deste país estavam, e ainda estão, nesta lista: o Teatro Nacional, a Royal Shakespeare Company, a English Stage Company no Royal Court, outros teatros para novos dramaturgos, como o Bush e o Traverse, todos os teatros de reportório da Gales, Escócia e das províncias inglesas e cerca de trinta companhias itinerantes. A maior parte destes teatros foi criada depois de 1945, assentes na premissa de que havia subsídios e muitas companhias fechariam se estes acabassem. O West End continua a funcionar como um enclave da iniciativa privada, mas mesmo aí existem muitas formas de dependência indirecta: os directores do West End, muitas vezes montam espectáculos que, primeiro, mostraram o seu potencial comercial num teatro subsidiado, e para os seus espectáculos independentes próprios, confiam em escritores, encenadores, actores e técnicos que adquiriram a sua experiência e saber em trabalho no sector público. O investimento público é intrínseco à estrutura financeira e física do teatro enquanto um todo.
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Por outras palavras, o teatro subsidiado é uma componente menor do Estado providência do pós-guerra, e a sua origem radica na própria guerra. O Conselho das Artes não foi uma invenção de 1945, mas uma mudança de nome e confirmação em tempo de paz do Conselho para o Encorajamento da Música e das Artes (CEMA), que fora criado em 1940 por iniciativa conjunta dos Ministérios da Educação e da Informação. O CEMA foi um claro expediente dos tempos de guerra: o seu objectivo consistia em desenvolver actividades que substituíssem as iniciativas culturais privadas que se tinham sido interrompidas devido à guerra e contribuir o mais possível para a manutenção da moral do país. Este propósito foi acolhido com entusiasmo por muitos dos agentes culturais envolvidos: considerando que a sua arte tinha sido convocada para um grandioso objectivo comum, dedicaram-se a levar o melhor da cultura inglesa ao povo inglês enquanto todo e fizeram questão de ir a todos os locais e junto de todos os públicos que nunca tinham visto drama literário ou ouvido música clássica, mesmo em tempo de paz. Assim, de forma inesperada, a emergência nacional ofereceu um papel social ao teatro e uma fonte de apoio que os tempos normais não lhe tinham concedido; e o teatro, muito naturalmente, uma vez a guerra terminada, estava decidido a manter essas vantagens materiais. Os políticos e funcionários relevantes concordaram, por uma série de razões: a instituição já existia, porque havia reais pressões do presidente do CEMA, John Maynard Keynes, porque a soma de dinheiro envolvida era relativamente pequena se comparada aos vultuosos investimentos e transferências de dinheiro do sector privado para o público necessários noutras áreas, devido às perturbações da guerra, e porque as actividades em tempo de guerra do ENSA (Associação do Serviço Nacional do Espectáculo), do CEMA, da BBC e da indústria do cinema tinham estabelecido uma definição de actividade artística enquanto valioso trunfo nacional que se podia razoavelmente esperar que o Estado patrocinasse.
Assim, o conceito de pagar as artes resultou numa política consensual do governo e o consenso mantinha-se sem grandes alterações ainda em 1949, quando o Parlamento votou uma autorização que permitiu ao responsável do Tesouro libertar £1.000.000 para a construção de um Teatro Nacional. Os debates em torno desta decisão foram quase comicamente desprovidos de controvérsia e no centro da unanimidade estava a ideia de que o teatro seria, como disse o responsável pelo grupo de pressão, o Visconde de Esher, “a primeira aventura artística da nossa nova, jovem e educada democracia”. Ironicamente, este populismo ambíguo foi especialmente audível na Casa dos Lordes:

"Talvez a Grã-Bretanha possa mostrar que, com a maturidade das suas classes trabalhadoras, consegue emular e deve emular, os padrões, a qualidade e o exemplo que lhe foi dado pelos seus pais e guardiães, a sua aristocracia antiga. Com a construção de um Teatro Nacional na margem do Tamisa daremos, esperamos, uma contribuição no sentido de uma civilização do povo ideal."

[...]

Não era impensável conceber um modelo alternativo. Na realidade, ele existia. Em Agosto de 1945, um mês depois da criação do Conselho das Artes, o grupo itinerante de Joan Littlewood, Theatre Workshop, abriu uma escola em Kendall. O seu manifesto tinha uma linguagem não muito diferente da do responsável do Tesouro:

“Os grandes teatros de todos os tempos foram teatros populares que reflectiam os sonhos e as lutas do povo. O teatro de Ésquilo e Sófocles, de Shakespeare e Ben Jonson, da commedia dell’arte e de Molière buscavam a sua inspiração, a sua linguagem, a sua forma artística junto do povo.
Queremos um teatro com uma linguagem viva, um teatro que não tenha medo da sua própria voz e comente tão destemidamente a Sociedade como o fizeram Ben Jonson e Aristófanes."

(Pp. 306-9)

Representar sem Artifícios: o Drama a Sério

No início do séc. XX, o naturalismo era a forma que distinguia o desejo da polémica; quando, mais tarde, se tornou político, diz-se que, tipicamente, a sua política estava ligada ao sentimento e à experiência. Assim, durante a década de 70, houve um naturalismo “político” que encontrou o seu papel como guardião de uma esquerda inglesa especial, uma área onde o marxismo podia assumir-se como humanismo. Num claro oposto à abstracção, teoria, estruturalismo e arte impopular, a realidade do naturalismo não era sectária.
“Se evoluir, será para me afastar do naturalismo... mas continuarei a tentar recriar a realidade da minha experiência. Não serei não-naturalista só por ser, como não fui naturalista só por ser; interesso-me pelos dois apenas na medida em que me ajudem a comunicar o significado que a experiência teve para mim.” As palavras são de Arnold Wesker, dramaturgo de “lava-louças” do final dos anos 50, socialista, fundador de um centro cultural sindical. Para Wesker, a experiência tem de ser separada da forma artística. E a forma de arte define-se pela ajuda que dá à experiência: “A arte é a recriação da experiência, não a sua cópia.” Quando é apanhada a copiar, a arte é acusada em termos políticos.

(Pp. 282-3)
Simon SHEPHERD & Peter WOMACK, English Drama. A Cultural History, Oxford, OUP, 1996

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