quarta-feira, 28 de março de 2007

Quanto Ouso - Capítulo Onze

Trabalho – carpinteiro

Deixei Upton House durante o Verão de 1948, com 16 anos, não tendo conseguido obter o certificado escolar. Queria ser escritor mas pensei: os escritores escrevem o que fazem, onde quer que estejam. Tenho a responsabilidade de contribuir para a minha família e tenho de trabalhar.
Sendo eu quem era, que trabalho estaria mais perto do acto criativo que satisfizesse a minha necessidade de “fazer” coisas? Fabrico de móveis, claro! O ofício do meu querido cunhado que, pouco tempo depois, adaptaria um celeiro em Norfolk para fazer mobília à mão, incluindo mini cadeiras Windsor que a Rainha Mãe compraria para dar aos netos, Anne e Charles. O Ralph arranjou-me um trabalho como aprendiz de um velho artesão judeu, o sr. Goodman, onde esperei assentar e aprender a arte de fabricar mobília antiga.
[...]
Ensamblava pequenas juntas e esculpia respigas e mechas para ele. Cortava à medida pequenos bocados de varetas de secção quadrada e colava-os no interior das gavetas. Punha pregos na boca e pregava fundos de contraplacado que ele depois folheava. Lixava frentes de gavetas que eram mandadas para outro local para serem “gastas”.
Mas foi um erro. A vida de artesão não era para mim. Nem a mão nem o coração eram firmes.
[...]
Queria manter-me fiel à madeira e às ferramentas [...] e tornei-me “companheiro” de um carpinteiro poucos anos mais velho do que eu chamado Tom Carter, cujo sotaque cockney era tão carregado que a minha mãe não fazia a mínima ideia do que ele dizia. Eu tinha de o traduzir.
[...]

Trabalho – espanejar livros

Estive poucos meses com o Goodman e poucos meses com o Tom. A minha mãe partilhou os seus receios com o Tio Perly que se fartou de pensar e acabou por ter uma ideia. “O Arnold quer ser escritor? Conheço um homem, o Louis Simmonds, que tem uma livraria em Fleet Street, que dirige com a mulher, a Rose.” Fantástico! Ia ficar perto de livros!
[...]
As minhas principais tarefas consistiam em limpar o pó batendo os livros uns contra os outros e inspirando o que quer que fosse que se soltasse, reinstalar a ordem depois de os clientes terem espalhado os livros por todo o lado e estar atento aos ladrões de livros.
Ler? Quase nunca. Durante a pausa do almoço, por vezes. Quando estava preso a um livro, empoleirado no alto de uma escada, uma tossezinha do senhor ou da senhora mandava-me descer à terra e fazia-me percorrer as tentadoras prateleiras a que havia que resistir como ao traseiro de uma mulher.
[...]

Estamos em 1950

Os meus dezoito anos. No dia 9 de Novembro apanharia o comboio para a Base Aérea de Padgate – despedindo-me na estação da minha mãe e de Shifra – para dar início a um ano e meio de serviço militar. Entretanto, tinha sido um ano movimentado: trabalhara para Louis Simmonds, depois para Robert, depois como ajudante de canalizador na doca de St. Katherine. [...] Foi o ano em que recebi da LAMDA [London Academy of Music and Dramatic Arts] a Medalha de Prata de Dicção [...]. Foi o ano em que fiz a primeira audição para a RADA [Royal Academy of Dramatic Art] e não consegui ganhar a bolsa da LCC. Nesses tempos os estudantes que precisavam delas recebiam-nas automaticamente no momento em que fossem aceites por uma universidade. Não era o caso dos alunos de artes. Para a música, dança, pintura e interpretação a LCC tinha a sua própria barreira defensiva, um segundo painel de avaliadores. Bem vistas as coisas não se pode confiar nos directores das escolas artísticas, aceitam quem quer que seja para garantirem o dinheiro.
[...]
Mil novecentos e cinquenta foi o ano em que escrevi a minha primeira peça, E Depois de Hoje para os Query Players, nada boa, e “Retrato de um Homem”, um retrato não disfarçado do meu pai e da sua vida nos anos com a minha mãe, com vinte e quatro páginas escritas à mão, e que continha já as sementes de Canja de Galinha com Cevada, escrita sete anos mais tarde.
[...]
[Teve uma curta carreira de actor amador, sem grande sucesso]
Em mim, o actor permanece. Adoro ler e leio bem. Desde Roma que as minhas aparições em palco, para lá das conferências, consistem em leituras das peças e histórias. Na sua maior parte leituras de Peças Para Mulheres em Um Acto.
[...]
Dêem-me um banco de bar, uma mesa, um copo de água e um público e eu resplandeço com aquele poder que pela primeira vez experimentei quando fiz o Rei Cophetua. Não é um talento, antes uma facilidade em cativar, segurar e controlar o público. Gostaria imenso de ter um sítio onde se soubesse que eu iria estar todos os domingos durante um ano, a ler qualquer coisa.

(Pp. 215-234)

Sem comentários: