quarta-feira, 21 de março de 2007

Quanto Ouso - Introdução


A autobiografia de Arnold Wesker, publicada em 1994, tem como título Quanto Ouso e cobre o período que vai de 1932 a 1959. Na “Introdução”, o autor explica o que quis fazer e quais os critérios metodológicos que seguiu…

Introdução

“O que significa o título? Quanto Ouso. Tudo o que ousei e não ousei na vida? O que ouso revelar do que ousei fazer? O que ouso revelar da vida dos outros? Quanta recriminação ouso acumular sobre as cabeças dos que, em altas posições, se portaram com desonestidade, traiçoeiramente e de forma cobarde? Aqui falamos tanto da privacidade como da reputação de terceiros e da urgência de vingança, da tentação de perpetrar animosidades profissionais numa altura em que eu ainda necessito de apoio profissional. Não é sensato!
Talvez o início de cada autobiografia deva afirmar o que não vai afirmar para impedir que o leitor acalente falsas esperanças. Terá então este um livro alguma dose de confissão privada mas não revelará tudo; incluirá poucas bisbilhotices teatrais e só um toque de malícia – para isso, o leitor terá de se virar para uma mentalidade mais teatral. Não é possível proteger os sentimentos de todos os que me estão próximos, mas o respeito será mantido e, se alguém ficar mal no retrato, serei eu.
Estou interessado, acima de tudo, naqueles pormenores da vida que eu acho terem dado corpo às minhas peças e histórias. Inevitavelmente, farei muitas referências a esses pormenores e utilizarei – desde já preparo o leitor! – cartas e diários para revelar por vezes como, através de uma reconstituição imaginosa, a vida se transmutou em literatura, por vezes porque as próprias obras contêm em si pormenores autobiográficos que apoiam a história, e por vezes porque, nas cartas e nos diários, se recordam mais coisas e com maior nitidez do que consigo recordar.
Os artistas revelam muito de si próprios através do seu trabalho. Não só o que fizeram, como o que gostariam de ter feito; não só o que, por intermédio das suas personagens, declaram pensar mas também, escudados atrás dessas personagens, o que não ousam pensar; não só o que são, como também o que gostariam de ser, ou, muitas vezes, o tipo de pessoa que receiam poder ser.
Quase tudo o que sou – o que temo, penso e sinto – é referido, aflorado, afirmado com clareza no que escrevo. […]
A fama e o sucesso incitam à curiosidade. As autobiografias escrevem-se para satisfazer essa curiosidade e responder a questões simples: que forças e influências se uniram ao longo dos anos para dar forma à personalidade e ao espírito responsáveis por determinadas acções, actos políticos, quadros, peças, composições musicais… a essa vida?
[…]
Vivo só. Isto soa mais dramático do que é na realidade. Na maior parte do tempo, gosto de viver só…

[…]
A minha sorte profissional lutou por entre as vicissitudes normais que a fama precoce acarreta. Os volumes de textos – efémeros ou não – são agradavelmente numerosos, prova de que trabalhei! Neste momento, e graças a Deus, não sou o filho favorito do teatro em Inglaterra e fiz uma saudável quantidade de inimigos… ou deverei dizer “uma quantidade de saudáveis inimigos”? Mas se bem que pouco amado, não emudeci e presumo que o meu nome tenha o seu lugar no teatro mundial.
Por isso, vou começar. Não tenho a certeza de que terminarei, mas estou agarrado. Que raio aconteceu? As cartas, os papéis da minha mãe, as histórias, os poemas, os primeiros diários… eu estou por ali, algures. Isto será o mais próximo que irei da terapia. Dizem-me que vai ser uma viagem dura.
Já chorei.
(Pp. xi-xiii)

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